Oblíqua
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Duo para dois perdidos, de Cia Dual

Por: Rodrigo Monteiro
novembro - 2024
@Erik Diniz

Pode ser que eu precise de você

Puede ser que te necesite (ES abajo)

Maybe Ill need you (EN bellow)

 

 

Com Ivan Bernardelli e Helio Filho. Baseado em Dois perdidos numa noite suja, de Plínio Marcos.

(Divagação lírica sobre Duo para dois perdidos, que abriu a 11ª edição da Mostra Dança à Deriva, encontro latino-americano de dança, performance e ativismo. Texto criado e publicado no contexto da Bienal Sesc de Dança de 2015).

 

Paco (Pega uma ponta da gravata de sua camisa e compara com a outra metade, aquela que fica na parte de trás e que alguém só pode ver quando o descuido daquele que a veste a torna visível. Olha para baixo) - Ele é meu. Bonito, não é?

Tonho (Fita-o invejosa, porém orgulhosamente) - É…

Paco (Sai de onde está e segue para o outro canto. Seus passos se desenham em meio a poeira de um lugar-testemunha daqueles que um dia resolveram se isolar e optaram por cortar todo e qualquer vínculo com aqueles que um dia poderiam amar).

Tonho (Fecha os olhos. Vira a cabeça em outra direção. Hesita manter contato visual com Paco, que insiste em pisar pesado para que o som do taco de seu solado ecoe e bata direito em um peito).

Paco (Inspira. Expira. Sorri).

Tonho (Finge que está preocupado com o horário, tarde da noite, e tenta dormir).

Paco (Brusco) - Ele é meu! Comprei ontem.

Tonho (Brusco) - Eu quero dormir.

Paco (Ignora) - Agora tenho grandes chances de melhorar.

(De um raio de luz que vazava de um poste de rua, era possível ver pequenas bolinhas que se levantavam do chão. Um simples sopro era o suficiente para redirecionar aquela trajetória do levantar, do atingir o limite do teto para ali talvez grudar e ficar. A vontade de se descobrir a intensidade de força necessária para que aqueles corpos flutuassem era a mesma para se descobrir aquilo que poderia trazer a sensação mínima do alívio).

Paco (Senta-se em sua cama, de costas para Tonho, que permanece deitado, fingindo dormir).

Tonho (Sacoleja-se. Vira-se. Vira-se novamente).

Paco - Sabe, Tonho, tudo aquilo que tive, deixei. Todos os que um dia da minha vida fizeram parte, larguei. Tenho a mim. Tenho você. Tenho você aqui agora, daqui a pouco não mais. Eu não quero. Não quero nem que você seja um empecilho, nem que eu seja pra você aquele que supostamente o levará a algum lugar. Me perdi e abandono, a partir de agora, qualquer mazela que me faça permanecer.

Tonho - O que me impede? Quem é ou quem são aqueles que estenderam as minhas fronteiras e fizeram com que eu deixasse de alcançar aquilo que sempre pude fazer?

(Paco abre uma gaveta e de lá retira uma gaita. Ameaça assoprá-la. Titubeia. Decide. Enche os pulmões e em um lance coloca todo o ar acumulado para fora. As bolinhas do lugar trombam-se umas nas outras, desesperadamente).

Tonho (Lamentoso) - Já houve dias em que precisei tolerar. Tentei aceitar, Paco, mas sinto que você é um que almeja ser aquele que eu sou. Ao mesmo tempo, confesso: anseio por me ver com essa gaita; que um dia eu possa ter o fôlego de avassalar, com um simples sopro, tudo aquilo que me segura aqui dentro.

(Paco pega a gaita novamente. Fita-a. Com um pedaço da gravata, limpa-a e guarda em uma gaveta).

Tonho (Choroso) - Sim, ele é bonito, muito bonito. Queria muito ter um desses.

(Paco agacha-se de modo que a sua gravata consiga alcançar os seus sapatos. Limpa-os com ela. Tonho admira).

(O raio de luz que vinha do poste permaneceu até o fim. Atravessou os sapatos de Paco, reluzindo-os ainda mais. Congelou, por um instante, aquelas bolinhas de poeira que expectavam tudo e todos naquele ambiente. Tonho e Paco não silenciaram jamais, viveram num infinito atracar-se e repelir-se).

 

Rodrigo Monteiro já foi Tonho, já foi Paco e hoje está perdido numa noite suja. Tenta encontrar uma lógica nas bolinhas de poeira.

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Puede ser que te necesite

Con Ivan Bernardelli y Helio Filho. Basada en Dos perdidos en una noche sucia, de Plínio Marcos.

(Divagatoria lírica sobre Dúo para dos perdidos, que inauguró la 11ª edición de la Mostra Dança à Deriva, un encuentro latinoamericano de danza, performance y activismo. Texto creado y publicado en el contexto de la Bienal de Danza Sesc 2015).

 

Paco (Toma una punta de la corbata de su camisa y la compara con la otra mitad, esa que queda en la parte de atrás y que alguien solo puede ver cuando el descuido de quien la lleva puesta la hace visible. Mira hacia abajo): - Es mía. Bonita, ¿no?

Tonho (Lo mira envidioso, pero orgullosamente): - Sí…

Paco (Sale de donde está y se dirige a la otra esquina. Sus pasos se dibujan en medio del polvo de un lugar-testigo de aquellos que un día decidieron aislarse y optaron por cortar todo vínculo con quienes alguna vez pudieron amar).

Tonho (Cierra los ojos. Gira la cabeza en otra dirección. Duda en mantener contacto visual con Paco, que insiste en pisar fuerte para que el sonido del tacón de su zapato resuene y golpee directo en un pecho).

Paco (Inhala. Exhala. Sonríe).

Tonho (Finge que está preocupado por la hora, ya entrada la noche, e intenta dormir).

Paco (Bruscamente): - ¡Es mío! Lo compré ayer.

Tonho (Bruscamente): - Quiero dormir.

Paco (Ignora): - Ahora tengo grandes chances de mejorar.

(De un rayo de luz que se filtraba de un poste de la calle, era posible ver pequeñas partículas de polvo que se levantaban del suelo. Un simple soplo era suficiente para redirigir su trayectoria, que al alcanzar el límite del techo tal vez se adherirían allí y se quedarían. El deseo de descubrir la intensidad de fuerza necesaria para que esos cuerpos flotaran era el mismo que el de encontrar aquello que pudiera traer la mínima sensación de alivio).

Paco (Se sienta en su cama, de espaldas a Tonho, que permanece acostado, fingiendo dormir).

Tonho (Se sacude. Se gira. Se vuelve a girar).

Paco: - Sabes, Tonho, todo lo que tuve, lo dejé. A todos los que un día formaron parte de mi vida, los abandoné. Me tengo a mí. Te tengo a ti. Te tengo aquí ahora, pero pronto no más. No quiero. No quiero ni que seas un obstáculo ni que yo sea para ti quien supuestamente te lleve a algún lugar. Estoy perdido y abandono, a partir de ahora, cualquier carga que me obligue a permanecer.

Tonho: - ¿Qué me detiene? ¿Quién es o quiénes son aquellos que extendieron mis fronteras y me impidieron alcanzar aquello que siempre pude lograr?

(Paco abre un cajón y saca de allí una armónica. Amenaza con soplarla. Vacila. Decide. Llena sus pulmones y, de un golpe, expulsa todo el aire acumulado. Las partículas de polvo en el lugar chocan unas con otras, desesperadamente).

Tonho (Lamentándose): - Hubo días en que tuve que tolerar. Intenté aceptar, Paco, pero siento que eres alguien que anhela ser quien yo soy. Al mismo tiempo, confieso: anhelo verme con esa armónica; que algún día pueda tener el aliento para arrasar, con un simple soplo, todo aquello que me mantiene atrapado aquí dentro.

(Paco toma la armónica nuevamente. La observa. Con un trozo de la corbata, la limpia y la guarda en un cajón).

Tonho (Con lágrimas): - Sí, es bonita, muy bonita. Me gustaría mucho tener una de esas.

(Paco se agacha de tal forma que su corbata alcanza sus zapatos. Los limpia con ella. Tonho lo admira).

(El rayo de luz que venía del poste permaneció hasta el final. Atravesó los zapatos de Paco, haciéndolos brillar aún más. Congeló, por un instante, aquellas partículas de polvo que observaban todo y a todos en ese ambiente. Tonho y Paco nunca guardaron silencio, vivieron en un infinito de acercarse y repelerse).

 

Rodrigo Monteiro ya fue Tonho, ya fue Paco y hoy está perdido en una noche sucia. Intenta encontrar una lógica en las partículas de polvo.

Traducción portugués-español realizada con la ayuda de ChatGPT

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Maybe Ill need you 

With Ivan Bernardelli and Helio Filho. Based on Two Lost in a Dirty Night, by Plínio Marcos.

 (Lyrical digression about Duo para dois perdidos, which opened the 11th edition of the Mostra Dança à Deriva, a Latin American dance, performance and activism event. Text created and published in the context of the 2015 Sesc Dance Biennial).

 

Paco (Holds a tip of his tie over his shirt and compares it with the other half, the one on his back, only visible when the one who dresses it is careless enough to let it show. He lowers his look.) – These are mine. Nice, no?

Tonho (Stares at him full of envy, but proud) - Yes…

Paco (Leaves the spot where he stands and walks to the other corner. His footprints mark the dust of a witness-place of those who once decided to isolate themselves, choosing to cut each and every link with those they could love.)

Tonho (Closes his eyes. Turns his head, avoiding any visual contact with Paco, who insists on stamping the ground so that the sound of his taps beat as in a chest.)

Paco (Inspires. Expires. Smiles.)

Tonho (Pretends he’s worried with the passing time, it is late at night, and he tries to sleep.)

Paco (Harsh) – These are mine! I bought them yesterday.

Tonho (Harsh) – I want to sleep.

Paco (Ignoring him) – Now I have fat chances to get ahead.

(From a beam of light leaking from a pole in the street, you can see little dots raising from the ground. A simple breath could stir them, change their direction from rising up to the ceiling to maybe just staying there, stuck. The will to know the intensity of strength needed for those bodies to float was the same as the will to find out what could bring a minimum feeling of relief.)

Paco (Sits down on his bed, his back turned to Tonho, who remains lying, pretending hes asleep)

Tonho (Tosses and turns.)

Paco – You know, Tonho, everything I’ve ever had, I’ve left behind. Everyone who once was part of my life, I let go. I have myself. I have you. I have you here and now, soon no more. I don’t want it. I don’t want you to be a deterrent, neither do I want to be the one who’ll take you somewhere. I lost myself and abandon, from now on, any mishap that might make me stay.

Tonho – What’s holding me back? Who is it or who are those who broadened my limits and prevented me from reaching what I could always do?

(Paco opens a drawer and gets a harmonica. He holds it in hesitation. Eventually, he fills up his lungs and with one blow breathes out all the air gathered. The dots bump into one another, desperately.)

Tonho (Lamenting) – There were days I needed to tolerate. I tried to accept them, Paco, but I feel you are someone who wishes to be who I am. At the same time, I confess: I pine for seeing myself with that harmonica; may I one day have the breath to subdue, with a simple blow, everything that keeps me in here.

(Paco holds the harmonica again. He stares at it. With a piece of his tie, he cleans and puts it back in the drawer.)

Tonho (Weeping) - Yes, they’re nice, very nice. I wish I could have a pair like that.

(Paco squats so that the tip of his tie reaches his shoes. He cleans them with the tie. Tonho admires him.)

(The beam of light from the pole remains until the end. It falls on Pacos shoes, making them shine brighter. It freezes, for a moment, the tiny dots as well as everything else in the environment. Tonho and Paco have never silenced, they remained attacking and repelling each other ever after.)

 

Rodrigo Monteiro has already been Tonho, he has already been Paco and is presently lost in a dirty night. He is trying to find some logic in the tiny dust dots.

Translation Portuguese-English by Chris Ritchie: writer, poet, and translator. 

Rodrigo Monteiro

Rodrigo Monteiro é professor e pesquisador das Artes do Corpo. Interessa-se pela aliança entre a curadoria e a crítica, bem como pelos agenciamentos artísticos e culturais que podem emergir do encontro desses campos. Ao longo de sua formação acadêmica e de sua trajetória profissional, teve contato com referências e experiências artísticas que o guiaram para os estudos teóricos sobre o corpo, as ciências cognitivas, a semiótica e a filosofia política. Com isso, as Artes do Corpo, como por exemplo a Dança e o Teatro, são vistas por ele à luz de uma ótica indisciplinar, que, ao propor conexões inabituais, convida o pensamento a se movimentar.

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